domingo, 8 de dezembro de 2013

Perspectiva Errada

 

Arte Monte Sinai adaoEstou profundamente incomodado com algumas recentes ocorrências. Penso que estamos na mesma situação em que o povo de Israel se encontrava ali no sopé do Sinai, na história contada na Parashá de Ki Tisá. Por isso, gostaria de compartilhar alguns pensamentos de uma dershá (sermão) que apresentei na Beth Bnei há algum tempo:

Êxodo 32:1

1 Reis 18:21,36-37

2. Pedro 3:9

A Parashá de Ki Tisa inicia com o censo dos filhos de Israel e a provisão de sua contribuição expiatória, consistindo igualmente de meio shekel do templo para cada filho de Israel acima de 20 anos, fosse rico ou pobre. Prossegue, então com as provisões para elementos do tabernáculo. Uma pia para que os sacerdotes ungidos se lavassem antes de adentrar a tenda para fazerem o serviço diário. Especiarias várias, em medidas precisas, das quais se tiraria um óleo de odor agradável para ungir a tenda, a mesa, o altar, a arca, o candelabro, e até os próprios sacerdotes. Outro óleo deveria ser fabricado com um outro conjunto de espécies, para ungir o lugar da presença de Deus.

Bezaleel e Aoliabe são chamados pelo nome para efetuarem os trabalhos de construção, feitura e composição de todos os itens do Tabernáculo e dos óleos descritos antes, além das vestes sacerdotais. Deus encerra Suas ordens de santidade, entregando as Tábuas da aliança, não sem antes lembrar-lhes de que deveriam santificar o dia de Sábado, pois este era o sinal de Sua Aliança e de que eles eram Seu povo escolhido.

Não obstante, como Moisés tardava em voltar, o povo volta-se a idolatria. Pedem a Aarão, artífice e braço direito de Moisés, para fazer um bezerro de ouro e lhe oferecem sacrifícios, dançam em seu redor e o louvam como aquele que lhes havia tirado do Egito. O Eterno ordena a Moisés que desça para o povo, pois este se havia corrompido. Ele lhe declara que iria extirpar a Israel e dele, Moisés, faria uma grande nação. Moisés intercede e diz ao Eterno que Ele deveria se “arrepender” do mal que pensara contra o povo, pois Ele haveria de ser tido por mal, ante os povos das nações. Deus o escuta.

A parashá segue com a descida de Moisés, a morte de 3000 pela espada dos fiéis levitas, A intercessão de Moisés, o afastamento de Deus, que agora enviaria Seu anjo mas não acompanharia ao povo. A nova intercessão de Moisés, o encontro de Moisés com o Eterno, a renovação da Aliança e a face de Moisés que brilhava, terminando a Parashá.

Um parashá densa, com uma história tremenda do momento em que o Eterno “quase” destruiu a Israel. Quais mensagens podemos tirar de Ki Tisá? Proponho algumas:

  • Das prescrições quanto à feitura da mobília do templo, dos óleos, devemos entender que Nosso D-us se preocupa com detalhes. Não apenas com as grandes linhas da construção do tabernáculo estava preocupado o Eterno, mas com os pequenos e aparentemente insignificantes detalhes, mesmo com as medidas das espécies que deveriam ser utilizadas para os óleos.

Nada deveria ficar na mão do homem, por mais gabaritado que ele pudesse ser. Ele poderia apenas haver dito “façam incenso e óleo para a consagração”, mas não. Ele definiu as próprias quantidades a serem utilizadas e como seriam utilizadas. Isto significa que não é o que o homem quer dar a D-us em adoração que importa, mas o que D-us pediu. Significa também que o melhor que o homem pode dar é pouco para D-us, é indigno de Sua Grandeza e de Sua Majestade. Significam também, que D-us se importa muito mais do que apenas com o que está em nosso coração. Ele se importa com os detalhes da vida, pois os detalhes são a diferença entre o santo e o comum.

  • O Santo Shabbat. Por que o Eterno aqui fala do Shabbat como um sinal entre Ele e o Seu Povo, para que eles soubessem que eram santos, separados? E por que Ele os inclui aqui, entre instruções de construção do tabernáculo? Por duas razões: A primeira é que D-us falava de encontro, do Seu encontro com o povo. No espaço e no tempo. Ele queria habitar no meio deles, tanto no tabernáculo espacial, quanto no tabernáculo do tempo: o Shabbat! A segunda é que a presença do Shabbat deveria ser uma lembrança indelével, e que acompanhasse Israel até os confins da Terra, e que onde eles estivessem, ainda que o Templo faltasse, o Shabbat não faltaria, permitindo um refrigério na presença do Eterno.
  • A Parashá nos traz uma lição quanto a tardança. E esta pode ser a mais importante lição para hoje. Moisés tardou mais do que o povo antecipava. Por um tempo, eles aguardaram pacientemente por seu retorno, mas cansaram de esperar. Seu cansaço se transformou em frustração e sua frustração em idolatria. Por um tempo, eles olharam para cima, lá para a montanha aonde seu líder, seu libertador, havia se dirigido para estar com D-us. Por um tempo, mantiveram-se aferrados ao sentimento do pronto retorno e a ansiosa espera. Mas ele demorou. Seus sentimentos foram frustrados. Seus olhos começaram a mirar mais para o horizonte do que para o cume da montanha; sua atenção deixou de estar lá em cima; seu foco mudou. Influenciados foram pelas vozes de murmúrio daqueles “meio convertidos”, que traziam desunião, e que impregnaram o acampamento de D-us com impaciência e perguntas do tipo: “Ele não vai voltar?” ou afirmações como: “Por que esta demora?”.

Grande é o perigo de se deixar envolver pelas vozes que questionam os tempos e os motivos que existem apenas na Mente do Eterno. Há misericórdia em todos os Seus Planos, que não conhecem tardança, como diz o texto da Brit hadashá. Lá no Sinai, o resultado de ouvir os que estavam murmurando, foi deixar de olhar lá para cima, onde o que importava realmente estava acontecendo: o Eterno estava ali! Ele estava ali! Não era Moisés que deveria ser o centro de atenção e preocupação do povo! O Eterno e Sua Presença, Sua Torah, Suas Palavras deveriam ser o motivo de Sua Alegria!!!

  • Perspectiva errada, resultado funesto: Apostasia. Resultado da apostasia: O Eterno esteve ao ponto de exterminar com Israel. Perceba como D-us entende o coração do povo:

O começo da apostasia foi a ansiedade pelo retorno de Moisés. Eles queriam a Moisés, ansiavam por ele. Preferiam ouvir sua voz, ao invés da voz direta de D-us. E atribuíram a Moisés o que de D-us haviam recebido: a liberdade do Egito. O verso que lemos diz exatamente isto: “Este Moisés, o homem que nos fez subir do Egito...” Perspectiva errada!! Foco no homem em lugar de D-us. E o Eterno, ouvindo as palavras do povo, diz a Moisés: “Desce, pois O TEU POVO, QUE FIZESTE SUBIR...” se corrompeu!

Quanto erro, apenas e simplesmente por falta de perspectiva correta. Moisés era apenas um instrumento nas mãos do Eterno, para cumprir Seu plano de Salvação e Libertação do povo de Israel. Mas o povo, acostumado à dura vida do Egito, não sabia lidar com o Invisível, por isto preferiam centrar suas forças, sua esperança, seu ir e seu vir, seu parar e seu seguir, em Moisés, não no Eterno, ainda que Ele se mostrasse diuturnamente. Por outro lado, Ele era tão Grandioso e Infinito, que eles se sentiam mais confortáveis em lidar com alguém como eles mesmos.

Notem que D-us coloca nas mãos de Moisés o destino da nação que o tinha colocado como centro da sua vida e de suas atenções. Que ironia seria que Moisés houvesse aceitado a proposta do Eterno. Mas Moisés tinha a perspectiva correta.

Da perspectiva de Moisés, D-us é a origem da Salvação. Ele é a fonte da Misericórdia. Tardio em irar-se e FOI ELE – não Moisés – quem havia feito a Israel subir do Egito. Veja o verso 11. Se o Eterno lhe diz que aquele povo era seu povo, pois eles assim o diziam e mostravam, Moisés reafirma que Israel é possessão do Eterno. Se o Eterno transmite a Moisés as palavras do povo, de que ele – Moisés – os havia tirado o Egito, Moisés se humilha dizendo que o Braço forte que os tirou de lá e a Mão que estendeu pragas sobre o Egito eram a do Senhor dos Exércitos. Ele os salvou por amor de Seu nome, pois em Seu Nome, jurou a Abraão, Isaac e Jacó.

Esta é a perspectiva correta. Resultado: Misericórdia! Moisés achou graça diante dos Olhos do Eterno e a ele foi permitido ver a presença do Eterno.

Um ponto interessante no diálogo de Moisés com HaShem é a aparente “bronca” de Moisés a D-us. O hebraico utiliza várias vezes o imperativo na boca de Moisés se dirigindo a D-us. O que pode haver acontecido? Primeiro, nem sempre o imperativo hebraico indica exigência, nos moldes da língua portuguesa. Ele pode expressar um ardente desejo, para o qual se espera uma resposta imediata. Segundo, D-us provou a Moisés, mais uma vez. E ele passou. Ele havia começado a entender o Amor do Eterno. Um Amor disposto a se Sacrificar pelo bem do povo; pela sua Salvação. Ele escutava o plano da Salvação em cada Palavra do Todo-Poderoso e o vislumbrava em cada letra da Torah!

Nos tempos de Elias, o povo de Israel novamente teve problemas de perspectiva e foco. No texto da Haftarah, podemos ler como eles coxeavam entre um pensamento e outro. Como eles titubeavam em sua crença. Eles conheciam as histórias dos pais, mas elas passaram a ser apenas isto: histórias dos pais, levadas pela poeira do tempo e apagadas pela apostasia sempre crescente. A realidade palpável era o sincretismo de Acab e Jezabel, seguindo a Baal e Asera. Onde estava o Eterno? Certamente, não nos corações do povo. Lemos como o Eterno utiliza a Elias para trazer o povo para a perspectiva correta: Somente Adonai é D-us. Somente Ele tem Poder. Não há outros deuses, nem bezerros, absolutamente nada que lhe possa ser comparado!

Nossos tempos não são diferentes. Como nos tempos de Moisés , vivemos um período de tardança. Nosso Senhor não veio. Ele ainda está lá em cima. Nossos olhos ainda buscam enxergá-lo. Mas Ele tarda. Como nos tempo de Moisés, somos bombardeados pelos que reclamam da tardança, pelos que nos instam a olhar para o lado, para uma realidade mais palpável. Não mais um bezerro de ouro, mas um carro de luxo, uma casa requintada, aparências, falsas doutrinas que nos apresentam um D-us praticamente humano. Uma nova perspectiva. Mas uma falsa perspectiva.

Como nos tempos de Elias, somos confrontados a falsos profetas que incitam o povo de Deus a apostasia, crendo não mais em Baal, mas nos baalins do consumo, da moda, da mídia, da vida moderna. Uma nova perspectiva. Mas também falsa.

Moisés e Elias tinham a perspectiva correta. A de D-us. Como resultado, Moisés viu a D-us, foi tocado por D-us e seu rosto brilhava com a Glória de D-us. Com resultado, Elias foi morar com D-us, sem ver a morte.

Qual a tua perspectiva?