terça-feira, 17 de abril de 2012

A Permanência da Idolatria

 

Terminei de ler um artigo interessante do Dr. Stephen Rosenberg, um dos Arqueólogos Sêniores do Instituto Albright em Jerusalém, postado pelo Rav Richard Elofer.  Foi uma indicação do meu Chaver Gledson Montenegro, que me pediu uma opinião. Enquanto escrevia no Facebook para ele, pensei que seria interessante para vocês, chaverim e chaverot.

idolatria-imagemComo disse, o artigo é muito interessante. Seu tema é a permanência dos ídolos na adoração judaica, transvestidos de ícones visíveis, como a Torah ou um Rabino muito querido. É um tema espinhoso, que toca conceitos essenciais do judaismo, ou da própria Religião. Afinal de contas, todas as religiões de alguma forma possuem seus ícones, humanos ou não.

O questionamento de Rosenberg é multiforme: Quando a reverência se transforma em adoração? É possível ser reverente, no contexto religioso, sem que adoração seja o resultado?

Prover respostas a estes questionamentos demandaria muito mais que este post no blog. Demandaria praticamente um tratado talmúdico. Por isto, quero apenas refletir sobre o texto ou sobre a ideia do autor.

O autor toca o ponto nevrálgico da religião: adoração. De fato, a religião surge da necessidade do relacionamento com algo superior a si mesmo, que nos possibilite explicar a origem do que existe e o fim último de todas as coisas. No contexto judaico-cristão, este Algo é o Todo-Poderoso, o Eterno, cuja existência antecede, supercede, e segue a todo a realidade!

Diante deste Ser Numinoso, o homem se percebe pequeno por um lado, mas confortado por outro. Sua existência não é mero acaso e não está necessariamente restrita ao intervalo desta vida. Do encontro com o Numinoso,  brota no coração do homem aquilo que chamamos de adoração. É a sensação de estupefactação diante da grandiosidade do Outro e da necessária reverência diante dEle, reconhecendo a distância ontológica entre o homem e o Numinoso, e a aproximação que a Graça produz.

E como se manifesta o Numinoso? De múltiplas maneiras, como já dizia o autor de Hebreus na abertura de seu belo sermão: “Havendo D-us falado outrora… de muitas maneiras…”.  A multiplicidade da revelação impossibilita a concepção monolítica do magistério da Igreja (não confundir com autoridade da Igreja, em termos de Halachá), segundo a qual existe apenas um meio de contato entre o homem e  D-us. Uma das formas da revelação é através de Locais sagrados. Ou objetos Sagrados. Ou Tempo Santificado.

Noutras palavras, embora adoração seja fruto da resposta do coração à auto-revelação da Divindade, sua expressão deve, em tempos específicos, determinados pela própria Divindade, ocorrer  em Locais definidos pela Divindade, da forma Determinada pela Divindade e com objetos que evoquem a presença da Divindade e a tornem marcante na mente do adorador a sensação da presença da Divindade naquele lugar  naquele momento.

É daí que surge, em minha visão, uma fraqueza do texto de Rosenberg. Sua análise se baseia primordialmente na forma, sem contudo entender a essência. Quando ele fala, por exemplo, das grandes aglomerações ao ocorrer a morte de um Rabino Chassidim, ou do Rebê, Rosenberg olha para a capa e ignora o conteúdo. Ele percebe a reverência ao Rabino e a confunde com adoração ao Rabino, desconsiderando o fato de que à reverência não é sequer ao Rabino, mas ao conhecimento do Eterno que aquele rabino possuía e cuja vida dedicou a nutrir, explorar  e ensinar.

Torah_02Da mesma maneira, a percepção quanto ao reverência diante da Torah, ao respeito demonstrado no ato de beijá-la e tocá-la quando ela é retirada do Aron dificilmente pode ser justificada como o autor o faz. De fato, penso que o autor superestima o papel da Torah e mal intepreta o ritual da hotsá torah, baseada em uma intepretação do ritual e não no rito ou no objeto em si.

O fato é que a Torah representa para o judeu, onde quer que ele esteja, a presença visível do D-us. É a Shechinah escrita! Onde quer que ela, a Torah, esteja, junto com o Shabbat, sua proclamação é sempre de paz e esperança ao judeu daquele lugar, afirmando que sua existência não é casual, mas causal! Ele não existe como mero mover-se de intrincados processos políticos e sociais, mas pelo chamado e pela Ação poderosa do Numinoso, Seu D-us, Adonay, que a Torah proclama ser o Único D-us, e o Criador de Todas as coisas.

Desta forma, a Torah é vista como uma poderosa expressão do caráter de D-us e de Seu amor por Israel (Talmud Bab. Shab. 105a fala das asseret dibrot como a alma escrita de D-us). É a esta expressão que o judeu pieodoso responde com beijos e reverência. Noutras palavras, é ao D-us apresentado na Torah e atuante em sua história, que o judeu reverencia e adora, não ao ícone.

Baruch HaShem por Sua carta de Amor a Israel amo e à humanidade!

Parasha: Vayicrá (Lev.) 9:11-11:47

Haftará: Shabbat Machar Chodesh / I Samuel 20:18 - 20:42

B’rith HaChadashah: Hebreus 8:1-6

* Numinoso é um termo utilizado por Rudolf Otto para descrever a sensação do Sagrado e do Santo. Uilizado em relação à divindade, diz respeito ao próprio Ser Divino e ao Papel Ativo no Processo de transformar a alma.  A mesma  palavra é usada por Jung, em um sentido diferente.

Um comentário:

  1. Obrigado Rosh pelo artigo muito bem explanado e contextualizado em especial "sua expressão deve, em tempos específicos, determinados pela própria Divindade" B'H'

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